A súbita ausência de usuários na Cracolândia, tradicional ponto de concentração de dependentes químicos no centro de São Paulo, levantou uma série de suspeitas sobre uma possível remoção forçada e dispersão organizada desses indivíduos para bairros periféricos da capital e cidades vizinhas, como Guarulhos e São José dos Campos.
O alerta foi dado pelo padre Júlio Lancellotti, referência no trabalho com populações vulneráveis, que publicou em suas redes sociais uma denúncia recebida por SMS. Segundo a mensagem, caminhões supostamente ligados à Prefeitura de São Paulo teriam transportado usuários da Cracolândia até o bairro Santos Dumont, em Guarulhos. “Alguns pediram ajuda a um morador dizendo que foram deixados lá e eles não sabiam onde estavam”, relatou o religioso.
As denúncias se multiplicaram nas redes e nos bairros. Em São José dos Campos, a moradora Alessandra Carvalho contou ter sido abordada por um homem desorientado, que empurrava um carrinho de supermercado e procurava o caminho de volta para São Paulo. “Ele me perguntou onde estávamos e disse que foi deixado aqui sem saber o motivo”, relatou.
Em Guarulhos, o prefeito Lucas Sanches publicou um vídeo afirmando que vans estariam deixando usuários na região da Vila Rio. “Não vai ter Cracolândia em Guarulhos!”, afirmou, convocando a população a denunciar qualquer movimentação suspeita.
Em São Miguel Paulista, Zona Leste da capital, moradores também relatam o aumento de pessoas em situação de vulnerabilidade, com episódios de furtos e comportamentos desorientados. Há indícios de concentração de novos grupos também no Jardim Helena e José Pedro Nunes.
A Prefeitura de São Paulo, até o momento, não comentou oficialmente as denúncias de transporte forçado. Contudo, o vice-prefeito Mello Araújo declarou que uma operação conjunta entre a Guarda Civil Metropolitana (GCM) e a Polícia Militar (PM) removeu mais de 120 pessoas da Cracolândia entre os dias 12 e 13 de maio. Parte foi encaminhada para tratamento ou reencontro com familiares, segundo a gestão municipal. O prefeito Ricardo Nunes afirmou que a redução do número de usuários na região já vinha sendo percebida, mas que o esvaziamento súbito está sendo investigado.
As autoridades negam o uso de força e afirmam que as ações buscam combater o tráfico de drogas e oferecer atendimento social, mas o silêncio diante das denúncias reforça as suspeitas de uma possível política de dispersão invisível e sem garantias mínimas de dignidade.
Cracolândia em São Paulo (Foto: Herculano Barreto Filho/UOL)
